domingo, 25 de abril de 2010

Fábula de domingo

Ele não era chegado ao jeitinho brasileiro
Sua malícia no pé
Sua emoção do esquerdo
Era pra fazer decente
Andar correto, direito
Era menino respeitado
Não dava mancada
Não dava furada
Pois sabia
Só teria uma vez
Não podia haver talvez
Por certo não queria ser freguês
Ele acreditava que podia dar certo
O seu trabalho
Os aliados
No seu domingo o mutirão
E os chegados para o feijão
Tava cansado do aluguel
Queria viver bem
Não esperava cair do céu
E na semana como boy
Trabalhava, dava duro
Ao contrário do playboy que come, dorme, suga tudo
Era um cara inteligente
Não esperava o presidente
Mesmo ganhando pouco
Matando cachorro a grito
Foi comprando os tijolos, o cimento e o granito
E no domingo de sol
Empolgado com razão
Trabalhava em sua casa e não para o chefão
Ia fazendo o alicerce
Lado a lado os camaradas, os seus primos, os seus irmãos
Num trabalho coletivo, frente-a-frente, construtivo
E tudo o mais e mais que nunca
O domingo era o mais esperado dia
Prosseguindo numa segunda, pegou seu ónibus lotado "Lobato - Lapa"
Ia pegar no batente, era normal comumente
Mas enquanto batia o cartão, foi chamado ao setor pessoal
Já imaginou o que era
Muitos colegas já tinham tirado
Demissão, ele foi o sorteado, megasena de empregado
Ficar na rua, parado, de bobeira, desempregado
Ele não entendeu, o fato que aconteceu
E sua cabeça sob o sol quente estava
Faiscava
Atordoado caminhou
No subsolo da Lapa esperou a condução para casa
Lágrimas em seu rosto
Seu rosto, agora menino
Era correto, tinha zelo, não era cabeça de gelo
E em sua pouca idade, a ira foi lhe tomando
Chegando no bairro, foi logo para sua construção
Sentado nos alicerces
Chorando sem parar de pensar
Que só existia duas formas
Trabalhar e lutar ou
Roubar e matar
Ele ficou ali por um tempo
Irado, muito sentido
Com a cabeça baixa, muito triste deprimido
Talvez com um sonho perdido
E muitos jovens de hoje se perdem, se desesperam
Com seus sonhos indo embora em uma torrente de miséria
Aquela conversa de "Brasil é o país do futuro"
É conversa pra malandro que nunca soube dar duro
Ou de quem fica esperando do céu conversas pra boi dormir
Ou desgraças para sorrir
E para qualquer coincidência é mera semelhança
E a trama acaba aqui
Nada foi resolvido
Nem o mocinho matou o bandido
Nem o galã ficou com a princesa
Nada disso aconteceu
Foi mais uma pegadinha para lhe dopar em seus domingos.

3 comentários:

Humores disse...

Oi Gau
Esse rapaz sem fala no mundo do patrão, rico entre os seus, sempre a liguagem a nos fazer este ou aquele em cada contexto...
seu silêncio diante da perda, da falta de uma cara para dar o tapa catártico, só a lage...
Tão próximo de Fabiano e sua impossibilidade de ser por não nomear...
Aos que sabem o nome está posta a mesma dor, de não ter e não ser...
Pelo menos conseguiu bater a lage.


BJ
Cássia

Clarocéu disse...

Viva as pegadinhas que nos tiram desse individualismo alienante e mais do que refletir, nos leva a sentir o outro, a angústia dos muitos outros nesse mundo onde as vêzes eu esqueço de que para fazer parte, tem que se assumir como parte...

Clarocéu disse...

Viva as pegadinhas que nos tiram desse individualismo alienante e mais do que refletir, nos leva a sentir o outro, a angústia dos muitos outros nesse mundo onde as vêzes eu esqueço de que para fazer parte, tem que se assumir como parte...