sexta-feira, 11 de novembro de 2011

rasgava a cidade ao meio
sustentando com as costas seus restos
embalados em sacos pretos
bicicletas rosinhas
logo estariam junto a amontoados de preces
e feijão moeda de troco e nada mais
não tinha o que declarar
uma palavra desdita
é como declaração de morte imediata
os pés rachados da mistura que ficou do seu caminho
calor, lama e cacos de vidros repisados
causava estranheza por não acreditar na palavra amor
e como é que poderia acreditar
em dias que só prometiam mais restos de sacos, latas e plásticos
sua vida a vender garrafa pet
ele sabe do luxo por cachorro pet
comercializando felicidade por cinco reais
e crack, e cidade rachadura
e cidade baixa
e cidade alta
altas horas, segue ele seguindo sacos pretos
seguido de cachorros e uivos
a cidade chove e ele a desafia
a seguir morrendo por mais um dia

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

fez castelos, desfez pesadelos e adiou muitos sonhos

ao lado de chumaços de cabelos, lama, restos de palhas de piaçavas de vassouras velhas, bitucas de cigarro devorados por adultos ávidos. passou uma boa parte da sua infância aí. imaginava tendas de circos e rodas gigantes domingo à tarde. sabia que pouco tinham preparado para a sua insurreição à terra. a pele esverdeada e um olhar de criança autista, tinha vindo do fundo, do lado do que se evita ver. aos gritos da manhãs aflitas alentava pedindo um pouquinho mais da segurança transitória das cobertas sob telhados de amianto muriçocas famintas e histéricas e ventiladores empoeirados. ah, aprendeu a não desejar, a negar a presença do corpo que pouco sentia, apenas adiava, adiava, para outros dezembros. imaginava que tudo era tão fabricado quanto leite longa vida e vacas de presépio, ali naquele beco fez castelos, desfez pesadelos e adiou muitos sonhos. transitou a vida como uma boca que baba entre a repulsa e o mini desejo de açúcares e carboidratos.