domingo, 30 de março de 2008

Porque continuam inqueitas as palavras que nunca surgirão

Pensei em tudo, não consegui refazer aquelas imagens esquecidas (...): pensei no afeto refletido nas paredes das esquinas, nas pichações corridas de jovens sufocados e furiosos para dizer o que quer que fosse, mas não lembrei ... Era um trocadilho? Como: "o furor rufa os tombores e bater de botas no silêncio do asfalto, apito de guardas e sirenes?"Não sei. Foi rápido que veio e rápido se foi, meu esquecimento é maior e me faz lembrar que é urgente fazer falar. Foi um bafo, bafo do dia que veio diferente e eu tive palavras certas para dizê-lo e no sono confortável da coberta, acobertei versos e me esqueci, me calei, e o que veio foi um silencioso pesadelo na procura do esquecido. Tanta coisa veio, só não o principal. Como foi o principal mesmo? Por que naquela hora eu não corri e não anotei, cravei na pedra do tempo? Vou atrás, vou achar de tudo, mas não vou achar o que perdi ... E não é a primeira vez que isso me ocorre: a tristeza do poeta quando perde a poesia; como um retirante que deixa para trás a feira, a farinha e floresta. O que resta? Mendigo de palavras, afogado na abundância de sílabas partidas entre uma boca e um ouvido, abismo alarmado Mallarmé e vice-versa sem sentido, menino esquálido, repousa seco sobre a mesa da reunião de negócios. E eu? O que faço, se minha principal missão é buscar palavras de imagens esquecidas. ... Rufa, ufa, vixe ... não vou mudar o meu sotaque; se é feio, se é belo, tome aqui, ó, engole a diferença. O meu ataque, reação e ação, ataque de guerra, ataque de nervos. Quem disse que tem razão a razão? São clichês que desconheço. A minha própria razão imagens de palavras esquecidas, urtiga que nem coito interrompido por algum aviso de proibido. Palavras inventadas na hora do aperto da escuridão do esquecimento
escurecimento
esqueceridão
escuridecer
escurecer
A hora não tem hora para aparecer. Fico indecisa se o que há é o infinito ou o eterno. Quais motivos me darão pessoas de daqui a 300 anos? Como me verão? Pensei em tudo, só não nas iimagens de palavras esquecidas. Idas e vindas voltarão. Porque continuam inquietas as palavras que nunca surgirão. 30.05.2003

DESAMPAROS II

Vivia em seu amor
O rumor de que nada mais havia ali
Qualquer informação a mais eram pílulas e pedidos demais seriam perdões
Quando perdeu ninguém sabe o quê,
Cortava a alma a dentro cordas de uma guitarra num quarto escuro
Entorpecia o ar, cinema noir
Um crime contido para cada dia
Fazia calor, quando ela sentia frio
Sentia dor, quando ela fazia amor
rumores, rumores, rumores ...quandoi ela queria sussurrar ...
... e era mesmo preciso esperar ... para ouvir sua infinitas monossilábicas súplicas
E eu fiquei
Eu também não sabia quando parar
12.12.078

DESAMPAROS

Parecia que naquela tarde os nossos desamparos
Andariam para sempre de mãos dadas
Atávicos
Senti um frio na barriga
e os dentes travados
No mormaço de uma tarde deserta do interior
Ela vibrou com o meu desespero diante do seu desespero
Mas logo vi que aquilo era o seu brinquedo eterno
Fugi
E os seus olhos ainda procuram pelos meus
Alucinados?

segunda-feira, 3 de março de 2008

Mais do mesmo

Quando lateja, lateja forte. Todo latejar é forte, o que torna a expressão anterior uma redundância, mas uma redundância necessária. Todos os atos que necessitam de uma repetição são uma redundância. E a drogadição é mais uma. Um cara que conheci por aí tinha o costume de dizer que as pessoas fazem abstinência da droga para usá-la, mas que ele usava para abster-se. Faz sentido. Mas parece somente a alteração dos fatores, o que faz do raciocínio dele um silogismo bobo.

A relação de abstinência não é a melhor resposta a dar à drogadição, pois dessa forma nunca deixa-se de ter uma relação especular com algo que vem devastador. E devastador nesse caso é a vontade, o desejo. O pior problema com as drogas é continuar desejando-as. O problema está na economia do desejo. A droga promete e cumpre: intensidade. Morte e vida em doses imediatas. Respostas imediatas. Distanciamento imediato.

E que o essa ritualística da drogadição tem que o transcorrer "natural" da vida não tem? Ou melhor, o que precisamos abandonar quando nos abandonamos no entorpecimento das drogas?