quarta-feira, 28 de abril de 2010

Intensidade. Fantasmas. Heranças

Em todas as transferências afetivas que fiz: a intensidade. E, por isso, eu não saber conduzir as minhas palavras, transformando a ação em frustração. Ainda assim, não viro a página remexo em erros como quem revira vísceras, tendo uma falsa ideia de que estou apenas rememorando para não repetir erros, e me perco como um Minotauro. Por isso escrevo, como quem deixa marcas no caminho. Como quem quer provar a si o que se é, mesmo não sendo. Sempre para provar a mim. Sempre a provar a mim mesma com simbologias cujo significado nem mesmo sei. O que falo não é o que eu quero dizer. Não existe intencionalidade, é como se não soubesse a onde vou chegar. "Quando o poeta diz lata pode estar querendo dizer o incabível" (Giberto Gil).

E todas as confusões que faço fazem também uma confusão sobre o outro. E outro pode também agir de maneira esdrúxula, reticente e confusa. Sensações de fracasso são recíprocas, é falsa a ideia de competição num relacionamento seja ele qual for, o máximo que pode haver é um que goze mais e melhor com a dor. Ou quem está de corpo aberto ou com uma armadura. A tal expressão "a fila anda", como se tudo se transformasse em quantitativo é mera mitologia moderna, pois a fila é a própria simbologia da inércia. E a inércia que anda é a própria simbologia do fracasso em qualquer relação: de trabalho, de amor, psicanalítico, enfim. A tentativa de esquecimento é tão nefasta quanto a minha tentativa de revirar vísceras. O problema não está na recusa, mas em como a recusa é feita.

E se a gente for pensar a recusa a partir do ponto de vista historial, a nós, brasileiros, esta vem se sedimentando há séculos, anos de massacres diários, onde somos obrigados a partir sempre, sem muitas explicações, sem dar adeus, sem deixar flores ou recordações. Esta ausência pode ser chamada de indiferença. Admitamos: somos um povo sem elos, apesar dos nossos pesadelos recorrentes, apesar dos nossos imbróglios interpessoais. O que fizemos com o degredo ibérico, a dolorosa partida dos povos africanos e o genocídio tupi-guarani? Somos ainda uma mistura disso.

Não é um problema pessoal seu ou meu. Meu grande sonho e objetivo nesse mundo é tentar reverter, ao menos minimizar isto. Que seja apenas em uma micro escala, na esfera das minhas relações pessoais. Por isso não me sinto ridícula ou estúpida por, de súbito, trocar experiências distintas de vida, só assim eu acho que faz sentido viver. De outra forma não é viver, é sobreviver. É estar presa a procedimentos técnicos racionais que não servem para libertar e emancipar, mas tão somente para condicionar e adestrar.

Quero acreditar que eu posso fazer diferente. Vendo minha herança não como um fantasma, mas como um vento que muda sempre de direção.

domingo, 25 de abril de 2010

IBÉRICOS

OS NAVIOS VEM E PARTEM
MINHA CABEÇA NO MESMO LUGAR
PRESA NO CORPO
PRESO NA TERRA
A MURALHA ESTRAÇALHA
QUALQUER COISA QUE QUEIRA: MUDAR?

DOU A CARA A TAPA
JÁ NÃO DIGO SIM
MINHA VIDA É UM JOGO
TRAÇADO SEM MIM

DIGO ADEUS E NÃO VOU EMBORA
A MORTE CHEGA LENTA PELA TELEVISÃO
PELA GELADEIRA
PELO ARMÁRIO
E POR OUTRAS COISAS QUE A NATUREZA CUSTA A RECICLAR

A SODA CÁUSTICA COME RÁPIDO
O QUE A PALMA DA SUA MÃO FEZ TÃO LENTAMENTE
A PERFEIÇÃO, O LÁPIS DE COR - ROSA, VENTO ...

VEJA A BAÍA SEM SANTOS
FANTASMAS DANÇAM DOIDOS
FINGINDO LHE DEIXAR FELIZ
NESSE LUGAR DE LUZES AMARELADAS
RUAS ESCURAS
E LADEIRAS QUE LHE DEIXAM EXAUSTO
NOS MASSACRA O SAMBA
PARA ESCONDER ESSE CLIMA DE FADO

TOCA UM SAMBA SEMPRE
A FIGURA DESDENTADA
ESCONDE O CHORO NA CACHAÇA PURA
MORRE DISTANTE...
NÃO DIZ ADEUS

...DIGO A VOCÊ QUE SIGO FELIZ
REPITO PRA MIM QUE ISSO É VERDADE
DIGO A VOCÊ QUE SIGO FELIZ
REPITO PRA MIM QUE ISSO É VERDADE
E VOCÊ, CANALHA, ACREDITA ...

BRECHAS DO ENTARDECER


Foi lá e não comprovou
O medo da coragem
Olhos vendados
Fechando janelas, não há entardecer
Dias, dias, dias ...
Sombras testando reflexos tortos
Membros desconexos
A dança, os copos, a queda
Um toque abrupto
Vidros estraçalhados ameaçam
Todo mundo quer uma bomba atômica na mão
Para valer suas verdades
Todo mundo faz roleta russa
Um sim, um não, um sim, um não
Brechas do entardecer
Pétalas de um mal-me-quer
Um ruído escapa
Por uma brecha
Um sentimento

DOORS

Os meus olhos míopes transcorrem imagens
E ainda de manhã, ônibus tremulam paisagens
Semeando fumaça em muros e narinas
Vejo o que tenho: está aqui
Bato naquele meu lado esquerdo que me deixa tão nervosa
Com mistérios
Dúvidas
Certezas
Clarezas
Clemências
Acompanho noticias e canções
Sequestros e casamentos
Pés rápidos e inertes
Dias úteis e inúteis
Tudo ligeiramente belo
Tudo ligeiramente sujo
Eu fico contente por agora excluir dualidades
Bem mal
Belo feio
Limpo sujo

Os meus olhos míopes procuram luzes e paisagens
Dias úteis e inúteis
Vejo
O que tenho está em mim
Toco o meu lado esquerdo e percebo.

ECO ESCURO

De tantas costas
Já nem me importo com você
Estes seus olhos tão grandes
São super-heróis invisíveis
Sempre à espreita
Desse meu esboço de corpo
De tantas portas
Já nem passo por você
Cadafalso falciforme ambulante do amor
Você só me quer torto
Você só me quer morto
Você não me quer mais
Eu peço à vida nem tão longe de mim: CIDADES!
Infortúnios do meu ser
Que nem mesmo é
Dói a angústia de você me alienar
Passarelas
Viadutos
Galerias vazias são o meu lar
Você que tanto amei odiei matei
Para viver um pouco mais
Seu couro oco é duro e não me dá passagem
Sou eco escuro sem meias mensagens
Sou esboço
Sou esboço
Sou esquina
Sou seu nada, meu amor escória
Cidade
Ciladas
Acasos previsíveis me perseguem
Com seu rastro vermelho vermute e nada anil
Você é
Eu estou.

Fábula de domingo

Ele não era chegado ao jeitinho brasileiro
Sua malícia no pé
Sua emoção do esquerdo
Era pra fazer decente
Andar correto, direito
Era menino respeitado
Não dava mancada
Não dava furada
Pois sabia
Só teria uma vez
Não podia haver talvez
Por certo não queria ser freguês
Ele acreditava que podia dar certo
O seu trabalho
Os aliados
No seu domingo o mutirão
E os chegados para o feijão
Tava cansado do aluguel
Queria viver bem
Não esperava cair do céu
E na semana como boy
Trabalhava, dava duro
Ao contrário do playboy que come, dorme, suga tudo
Era um cara inteligente
Não esperava o presidente
Mesmo ganhando pouco
Matando cachorro a grito
Foi comprando os tijolos, o cimento e o granito
E no domingo de sol
Empolgado com razão
Trabalhava em sua casa e não para o chefão
Ia fazendo o alicerce
Lado a lado os camaradas, os seus primos, os seus irmãos
Num trabalho coletivo, frente-a-frente, construtivo
E tudo o mais e mais que nunca
O domingo era o mais esperado dia
Prosseguindo numa segunda, pegou seu ónibus lotado "Lobato - Lapa"
Ia pegar no batente, era normal comumente
Mas enquanto batia o cartão, foi chamado ao setor pessoal
Já imaginou o que era
Muitos colegas já tinham tirado
Demissão, ele foi o sorteado, megasena de empregado
Ficar na rua, parado, de bobeira, desempregado
Ele não entendeu, o fato que aconteceu
E sua cabeça sob o sol quente estava
Faiscava
Atordoado caminhou
No subsolo da Lapa esperou a condução para casa
Lágrimas em seu rosto
Seu rosto, agora menino
Era correto, tinha zelo, não era cabeça de gelo
E em sua pouca idade, a ira foi lhe tomando
Chegando no bairro, foi logo para sua construção
Sentado nos alicerces
Chorando sem parar de pensar
Que só existia duas formas
Trabalhar e lutar ou
Roubar e matar
Ele ficou ali por um tempo
Irado, muito sentido
Com a cabeça baixa, muito triste deprimido
Talvez com um sonho perdido
E muitos jovens de hoje se perdem, se desesperam
Com seus sonhos indo embora em uma torrente de miséria
Aquela conversa de "Brasil é o país do futuro"
É conversa pra malandro que nunca soube dar duro
Ou de quem fica esperando do céu conversas pra boi dormir
Ou desgraças para sorrir
E para qualquer coincidência é mera semelhança
E a trama acaba aqui
Nada foi resolvido
Nem o mocinho matou o bandido
Nem o galã ficou com a princesa
Nada disso aconteceu
Foi mais uma pegadinha para lhe dopar em seus domingos.

Uma noite qualquer, num instante em que você quer estar feliz


Se fosse uma verdadeira crueldade
Não incomodaria tanto
E querer se vingar agora
É um capricho estúpido e mesquinho

Quantos já cantaram o amor e a amizade?
Às vezes, farsas, pactos de mediocridades
"Eu lhe aceito, você me aceita"
Muitas máscaras para encobrir grandes defeitos
O lítio, o prozac recheiam aqueles grandes amores falsos
Um ponta pé na cara e um sorriso de contemplação
E seu corpo ali cansado
E você ali delirando
Sem a permissão da sua mãe
E alguém ali do seu lado ainda espera que você diga:
"Tudo bem, você é genial, mesmo dentro do banheiro, esfregando a cara no espelho"
E se isso não acontece:
"Oh, sinto muito, tchau"
Nada mais previsível que esta miserável união
Alguém querendo que você diga: "tudo certo, tudo bem"
Mas, se não...
Se você fica ali delirando sem a permissão da sua mãe...
...você já não convem
Mas, querer se vingar agora é uma capricho estúpido e mesquinho

Porque não, não
Não é verdadeiro e cruel
Vai matando lentamente
Aos que vão trabalhar cedo
São as pequenas dores
São as pequenas dores
...e no outro dia, a ligação é para você
...e você aceita o convite para sair
Mas você sabe, não deveria ir
Mas talvez você já não consiga dizer não às pequenas dores

Em caso de incêndio, deixe queimar!
































"O que fazer em caso de incêndio" é uma comédia anarco-existencial que brinca com o destino da juventude do final dos anos 1980. O cenário é uma Alemanha ainda com o muro de Berlim, quando jovens ocupavam casas abandonadas e ali produziam música, filmes, ação direta contra o sistema e muita intensidade em suas relações de vida.
Mas o tempo passa ... e até mesmo aquele que antes bradava com um mega-fone contra a polícia, agora vocifera em sua empresa de publicidade que "ama o seu carro, o seu telefone celular, a sua cobertura", enquanto veste uma camiseta declarando seu amor a Bill Gates - o que é para um jovem que já foi anarquista uma brasflemia.
Centrado na vida de seis jovens que, há doze anos, colocaram uma bomba em uma mansão e que só após esse período é acidentalmente detonada, o enredo nos instiga a pensar: passamos incólumes pelo nossos passados?
Agora, apesar de alguns deles renegarem a vida pregressa de atuação anarquista, são forçados a se reencontrarem para traçar um plano que os proteja da polícia. As diferenças são evidentes e os diálogos são os mais hilários.
O momento indica "agora, a guerra não é entre ricos e pobres, mas entre vencedores e pobres diabos que não se venderam". O que você faria com o seu passado anarquista lhe batendo à porta?

Título: "O QUE FAZER EM CASO DE INCÊNDIO" (What to do in case of fire?")
Dir.: Gregor Schnitzler
Roteiro: Stefan Dahnert e Anne Wild
Elenco: Til Schweiger; Martin Feifel; Sebastian Blomberg; Nadja Uhl; Mathias Matschke; Doris Schretzmayer e Kalus Löwitsch
Alemanha, 2002, 100min.
SINOPSE:
Quando uma bomba colocada há 12 anos em uma mansão abandonada na cidade de Berlim explode, todas as evidências levam a um grupo anarquista que existiu no final dos anos 1980. Enquanto a polícia investiga, os ex-rebeldes se reúnem pela primeira vez depois de 12 anos para idealizar um plano que os proteja. Mas as faíscas começam a se espalhar quando as pessoas do grupo tem que conciliar ideais da juventude com a vida que levam atualmente, além de terem que lidar com as relações pessoais que tinham naquela época.

CADA CARA

As óbvias perguntas são como as tiranias dos fatos. O duelo da doce vontade de fortificar a personalidade contra a dureza de tocar os dias, as contas, as dores. No princípio, o precipício atraía e trazia verbos de imprevisibilidades. No meio, cada dia-a-dia era o precipício e, em cada rosto, um fantasma que quer agarrar e torturar.

Os ossos estão formados. A expressão no rosto esconde o coração que caminha pro enfarto. Você já sabe como ter o pão, o leite, o "gim das crianças". Anda, se defende, e em algum tempo já se volta contra o chão, colchão de espuma e solidão. Pensa, não corta os pulsos, mas hesita em viver. Está no meio, no meio da vontade, metade do desejo. Quer esmurrar a parede, as espumas são piores que as amarras - esses carbonos loucos. Ninguém lhe ouve, paredes de espumas.

Nenhum corpo cai naquela noite, daquele prédio. Pra aquele homem, as estrelas quando caem não tem mais força poética. As estrelas no céu, quando tem força poética? Não pensa, age, é quase patético e vai se vestir. Vai à benção todos os dias, ao Senhor Deus do Trabalho. Ovelha pálida. Não seria justo dizer seu nome, sua raça, em qualquer lugar você é o mesmo, com seus medos. Você é 30 bilhões de pessoas. E quando do precipício não ecoa mais surpresas, o fantasma é cada cara, é o começo, o começo do fim.

Gardenia Dultra, setembro 1998.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

HOTEL DE ESTRANGEIROS

Uma alma fragmentada, o que fazer senão voltar a um provável início? A vela acesa, a chama ilumina a casa para dali promover não fatos, mas estados alterados d´alma. A música foi ganhando tudo e, a cada passo dado, um cheiro de infância, infância não nostálgica, mas historial. A cidade pequena foi a única a dar sensações profundas para aquela mente quase decapitada pela vida prática e quase estéril da cidade mais agitada da província.

A casa do Senhor da Estação estava intacta e agradavelmente velha. Olhando aquela sala, a mesa sem pintura, as velas, as cortinas encardidas tremulando pelo vento trazido pelos trens; era um grande retorno n´alma.

Para a sua geração, a moça estava distante dos tipos que a época proporcionava. Muito pensativa e centrada para as tagarelas da província e sagaz para as cortesãs dos senhores. Vivia como um ser distante, como um ponto de chegada e partida, talvez influenciada pela infância na casa do Senhor da Estação.

Ali, quando criança, corria para a estação logo quando ouvia o apito do trem e olhava atenta os vagões e suas cargas, seus caixotes, suas malas de madeira. Os passageiros trazendo o olhar distante e triste de quem deixou alguma coisa para trás. Aqueles crianças sentadas sobre os caixotes , as mães a olhar para o tempo interrogativas e os homens aquecendo o corpo com aguardente de cana. Era interessante, nenhum ficava completamente ébrio, não se deixavam ficar, e assim que ficavam com os corpos ardentes, tomavam suas bagagens e quase sempre comentavam que iam conseguir.

Como ela olhava invejada para aqueles meninos que corriam astutamente para pongarem no trem - como queria fazê-lo. Mas não podia, morava na casa do Senhor da Estação. E, além, era uma menina, todos reprovariam.

Olhando a estação através da janela, da música, das velas, ela retomava a mesma emoção que lhe preenchia quando antes da sua primeira despedida. E era pra isso que tinha voltado, para recobrar o impulso, a determinação que havia perdido para voltar e lançar-se em um mundo afiado. Queria recobrar esse impulso, já que ela agora estava arrefecida, desintegrada, quase decapitada.

Só através daqueles cômodos, daquela estação, estaria recobrando a sua própria história e um motivo para estar viva, confiante, altiva.

Foi na casa do Senhor da Estação que determinou-se a não servir como cortesã nem para conviva provinciana. Tomou sua valise e adentrou o vagão mais simples do trem onde todos falavam alto dos seus próprios planos de partida e dividiam alimentos. Todos rumavam para São Carlos, a capital da província. Foi naquele vagão que soube do Hotel de Estrangeiros e na chegada a São Carlos se dirigiu para lá.

Sabia muito bem o que buscava em São Carlos: queria lançar-se às letras ou dar a vida por uma causa. Como a Madame Juju havia sido cordial para com ela no Hotel dos Estrangeiros. Aproveitando o abrigo, começou a pensar numa forma de conseguir uma colocação já que não trazia consigo uma carta de recomendação. Ali, na cidade de São Carlos, exceto no Hotel de Estrangeiros, não passava de uma forasteira.

Dia e noite tomava a sua mente a necessidade de trabalhar para se manter. E, aos poucos, a pretensão de se dedicar às letras ia ficando longe, como o trem e a casa do Senhor da Estação. Apesar de no Hotel de Estrangeiros passarem muitos jovens intelectuais, nada conseguia para si como uma colocação. Já devia dois meses a sua vaga, mesmo, se achava angustiada e sem forças para buscar. A sua alegria havia partido e apesar das fonfarrônicas conversas no Hotel, já não encontrava motivo para contentar-se. E, o que, a princípio, achava gracioso e erudito nos jovens que ali frequentavam, agora lhe parecia falso e grosseiro, já que todos ali eram filhos bem nascidos das famílias dos Gerais. As moças, apesar de conhecedoras dos assuntos da época, ainda se apressavam a enfeitar-se e abluir-se para os jovens educados e gentis.

E ela não contava com ninguém, além da simpatia gratuita da Madame Juju. Agora, a única coisa que podia fazer era recordar os olhos tristes, a capa preta do Senhor da Estação e suas palavras: "para os que sofrem: a sua terra de origem". Mas para ela seu lugar de origem eram os trens indo e vindo. O vento ainda soprava as cortinas e, como quando menina nas noites de luar, ela abria as janelas e tocava um velho bandoneon, ela contemplava a noite na estação, a capa do Senhor e seus olhos tristes arrancando pra si inspiração para a vida.

Nos outros aposentos do Hotel de Estrangeiros comentavam-se que ela enlouquecera. Ela, os trens, os olhos e a capa preta do Senhor da Estação.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Rapiado

É aprisionado pelo metrô
Vai à tevê procurar o seu amor/valor
Fala do nordestino como um grande salafrário
Mas não sabe a causa de seu baixo salário
Não acredita em nada
Apenas tem fé
Vira estatística
Mais um objeto qualquer
Que não sabe a sua história
Que não sabe o porque
Talvez pra comprar o pão
Ou pra trabalhar pro patrão
E levar mais uma vida vazia
Correria, correria, correria
Um objeto qualquer
Como seu pai espatifado no chão
Menos um pai
Mais um morto
Mais um filho torto
A se virar como louco
Mas ele não quis saber
Mas seu avô veio um dia trazendo o maculelê
Ele queria era caçoar
É nordestino, preguiçoso
É nordestino, horroroso
Mas ele não quis saber
Correria, correria, correria
E ele se achava esperto por nunca ter ouvido: "menino, caminho da roça"
Mas mesmo trabalhando duro em seu caminho tava a ROTA
A lhe pedir documento, dar batida em sua casa
A virar a casaca, dar palpite, coisa e tal
Mas ele não quis saber
Mas seu avô veio um dia das bandas de Mucugê
Ele queria era caçoar
"É baiano, preguiçoso, vagabundo, horroroso"
Assim, podemos ver que esse tal sujeito
Renegou o seu passado
Cuspiu na pia de prato
É um traído traidor
Um enganado enganador
Mas se for pra revirar tudo vira conversa comprida
Muito chata e repetida
E esse tal sujeito é um homem nacional
Que renega a sua história, e o resto, etc coisa e tal.

Tevê eixo Rio - São Paulo

Pronunciando frases conclusivas para questões complexas, Boris Casoy vai com seus comentários simplistas anunciando fatos do Brasilzão. O apresentador inaugurou o formato de ancoragem nos telejornais brasileiros, que antes dele resumiam-se ao formato pseudo-imparcial de noticiar. O irmão mais velho dos telejornais - o Jornal Nacional - foi forçado a mudar sua identidade por tantos anos anunciada por Cid Moreira e seu vozeirão. Mas pouca coisa mudou, ainda fala-se de forma centralizadora - eixo Rio-São Paulo - para todo o Brasil.

Boris Casoy com seu paulistês vai fazendo comentários que se pretendem esclarecedores e politicamente correto, tais como: "violência gera violência"; "isso é uma vergonha", e outras exclamações que assistidas sob uma ótica levemente mais aguçada tem-se a constatação que as classes formadoras de opinião em pouco diferem do público médio quando aprisionado no trânsito xinga impotente a mãe de todos.

Casas populares

Todas as casas iguais e moradores com um lance de solidariedade dos que nada tem, suprindo a necessidade um do outro. Casas pequenas, chamam-se biongo, na gíria da galera: portas de ferro, venezianas de ferro e vidros psicodélicos para serem pagas a tempo perdido ao governo, que oficializa a homogeneização pela denominação "moradias populares". Poucos estão satisfeitos em morar por aqui e a juventude é sem trabalho e com muita doideira todo dia: cachaça, maconha, crack, rap e reggae. De boné, à noite, vem de montão no point da esquina. Muito grilo cantando e a fumaça subindo. Muito louco saqueando casa fechada pra comprar os lances que eles precisam "na hora". Já sabe, né? Vida de maluco não tem parada certa, e isso aqui só funciona na cabeça do governo, pra um objetivo bastante imediato: acalmar os ânimos. O tempo segue em frente e eu já vejo no passado o futuro de poucas possibilidades. Talvez São Paulo, talvez Salvador, talvez. E outras moradias populares...

Espelho

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh....!!!!!
Agora vou encarar você, Gardênia. Onde quer que você esteja, já não tenho mais medo de você. Fecharei os olhos, para depois olhar no espelho, para tentar descobrir um pouco mais sobre você. Não, não, não se espante comigo, agora falo para quem quiser me ouvir. Quero poder tocar a sua mão, olhar nos seus olhos - eu sei o quanto falo de clichês.

Agora, somos uma só. Mas depois eu me volto contra você e lhe deixo falando sozinha. Mas depois, largo tudo pra lá, e vou encontrar outro alguém para falar sobre você. Na verdade, somos nossas piores inimigas íntimas. Somos a água e o óleo, ainda assim somos uma só.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh....!!!!

FOGO

Foto: Gardenia Dultra

Quero vida
Quero fogo
Quero ver a madeira gemer!

Um Vácuo Árduo

Por que o medo de tudo agora?
E você
Onde passou?
Por onde vai ?
Só.
E eu?
Não sei
Porque um medo
Um nada
Um vácuo árduo
O medo enfim

E eu?
E você?
Alguém?
Onde passou?
Onde vai?
...não sei...

Gardenia Dultra, 1993

Zaz traz

os paralelos controem-se
o mato nasce por si só
as abelhas voam ao nosso redor
ferroada
as cabeças nos trazem ao mundo
mas o mundo não traz o que a cabeça traz
zas traz
ferroada
será difícil tirar os ferrões
a cabeça em decadência não enxerga os paralelos que se constroem?
até quando cantaremos o fim dos tempos?

Gardenia Dultra, 1989.

INVASÃO

Muito mais que um aglomerado
A se estrompar
A sofrer
E a trampar.

Trampolim da metrópole.
Fábricas.
Supermercados.
Ruas
Casas.
Edifícios.
Carros.
Aviões.
Mangues e esgotos

Esgotos industriais
Que invadem as ruas da invasão
Que leva o nome de um senador.

1989.

CORPOCIDADE

Tudo que tem importância é papel sépia
Traças e caracóis de pensamentos
Revólver sem nem pedir desculpas
Você assim faz
Como um franco atirador de imagens
Como fraca refletora de si
Você assim faz, mas nem sabe
É falsa a ideia de te ter pra sempre
Nesse vício, as virtudes são heróicas
Mais uma vez grito seu nome
Você amplificadora nossa
Caixa de ressonância de abismos
Lacre da felicidade alheia
Salvaguarda do éter da inveja
Que viceja em móveis corpos
Mobile phones são teu refrão:
Cidade Morta
Cidade Adeus
Cidade Carne de mães alucinando filhos em preces nunca ouvidas
Quando o assunto é desabamento
Quando o assunto é contenção, não encosta
Sou teu arco, arpoador
Sou tua glória, teu orifício
Canabrava de badameiros e pérolas cultivadas
Sou teu perfume chanel quebrado nas escadas dos teus prédios
Sou o inferno da tua ceia repleta de sonhos americanos
De tantos plásticos brancos
E as bandeirolas são cadáveres do ritual cabloco que você chacinou
Sou bola e neve
Sou nuvem e céu
Sou sol e chuva
Sou a condensação do nada
Por ter tudo, você se diminui
Como um anti-fermento infernos de crianças iluminadas por restos de drogas
Que colam a tua mobília super-luxo
Sou éter do cadáver, feto, mal vestido e torpe
Sou teus filhos apátridas
Sou pastor da ovelha negra
Sou um negro quase branco de tanta palidez de vísceras vermelhas
Sou imortal, pois que sou tua peste
Pois que sou o teu não querer ser, assim teu infinito
Não precisa ter rosto, não precisa ter voz
Eu sei, você sempre se faz de desentendida
Como é próprio das damas vitrines
Sorrisos plásticos são moda: vão e vem
Como você que insiste em sempre ser
Mesmo tão distante de mim e de outros milhões de cajazeiras
De olhos Vesúvio
Você é cidade
Eu, apenas corpo
Você, voz da voz
Que eu até queria ouvir para uma acalento
Você é um querer sem nunca ter estado
E eu conheço artimanhas do subproduto de teus meninos senis, como eu
Envelhecidos prematuramente por nefrites e outras pneumonias
Sem nem sequer pneumáticos preservativos
Por que você me pariu?
Parta!
Ponta de lança presa aos meus fragmentos.
Arraste-me por eras
Esqueça teus fósseis
Eu sou novo e sou um deles
Certezas da metafísica da tua miséria
O teu querer ser constante
A tua ébria lucidez entorpecente, pois necessitas
E eu? Mais nada
Eu, mais nada que essa chuva ébria.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Fall american dream


Imagem



Documentário de Michael Moore "Roger and Me", realizado em 1989 já mostrava a decadência de Detroit, cidade símbolo da GM e, por conseguinte, da indústria automobilística. Mais uma porrada no american dream: por que continuamos correndo atrás dele?






Fall american dream 2
















Detroit.


Créditos:

Enquanto isso, na sala de aula:
- Hello!
- How are you?
- I´m very well. How are you?
- I´m very very well, thank you.
- Are you learning English?
- Yes, I am.
- Do you have a book?
- Yes, I have a book.
- Good. Where is it?
- Here it is.
- Where?
- It´s on the table.













segunda-feira, 19 de abril de 2010

Stroszek


Melancólico, arrebatador. Um radical e sútil manifesto contra o adestramento promovido pelo sonho americano. Stroszek é de uma poesia avassaladora, com seus personagens excêntricos e marginalizados pela Pavlov society. Mais uma obra do brilhante Werner Herzog . O final com a "dança da galinha" é tragicômico. Uma produção alemã de 1976.







Alien: O oitavo passageiro







Além de uma intrigante história de ficção científica e terror, Alien é uma obra de arte. Contou com a inspiração dos artistas H.G. Giger e Jean Moebius Giraud.
Alien, 1979. Inglaterra e EUA.
Dir.: Ridley Scott
Rot.: Dan o´Bannon e Ronald Shusett.


fahrenheit 451






Um mundo sem livros. A supremacia da imagem. Onde todos serão vigiados por todos para: NÃO LER. Ainda assim haverá um refúgio, onde o fugitivos adotarão um livro como sua própria biografia. Eis Fahrenheit 451, dirigido por Fraçois Truffaut e baseado no livro homônimo de Ray Bradbury

















Um samba tipo Leci

Pega o barco à vela.
Samba, chora, ri.
Ama na minha que a vida navega.
Sentimentos não dão trégua.
Puros nas minhas veias, amor.

Vou descendo todas as ladeiras da cidade pra ti.
Não, não esqueci das injustiças que rolam por aí.
Cidade louca e sol.
Escaldam a minha, escaldam a minha mente.
Mas contigo, eu já sei, eu sigo em frente.
Escorrega comigo.
Brinca comigo.
Luta junta comigo.
São Sebastião em 20 de janeiro vai nos proteger de todas as flechas.
Sebastião, padroeiro nosso, nossa cor.
Amor de cores, amor de morro.
Amor de morro de amor por ti.

Refrão:
Pega o barco à vela.
Samba, chora, ri.
Ama na minha que a vida navega.
Sentimentos não dão trégua.
Sentimento puro em mim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

PEQUENO

Quando abri os olhos eu já não estava lá. Além da dança, as calçadas estavam vazias e brilhantes como rajadas de luz. Nem me lembrei dos transformers, eles pareciam tão impalpáveis e meu corpo dançava ao som da luz de postes de borracha. As minhas mãos eram só fogo na fragilidade que você jamais verá. Minha barriga era uma bateria de sons absurdamente soturnos, mas, mas, mas eu tentei, eu tentei, eu tentei passarelas até você, até mesmo quando você já não estava lá. Suas palavras nunca foram doces e eu nunca tive doces para me consolar, só o sol, a chuva e as sirenes vasculhando meus rastros. Mas eu tentei e segui, com baforadas do vento frio na cara e meus braços gelados agarrando meu corpo fugitivo. Nem balões rosas nem briquedos inofensivos, meu corpo desafia sua tranquilidade, e nem mesmo vi escrito por aí sutilidades. Mas meu corpo é leve e portátil com meus papelões casa-cama-refúgio. Sou tua sombra, sou tua sobra, sou teu desssabor, dessa boca que jamais dirigirá a mim palavras, dessa boca balão rosa de fantasias senis, dessa boca chocolate de sorvete enquanto degusto minha ausência. Porque ainda sobrevivo ao toque de recolher e minhas moradas estão por todas as ruas sem cidade, sem mocinhas a passaear com brancos cachorros leitosos. Meu leite é meu veneno, mas eu tentei até mesmo quando já não tentava nada.